Páginas

domingo, 12 de agosto de 2012

Meu pai


Em uma terra árida, de sol escaldante, nasceu José. Filho de Maria e Francisco, ele herdou o nome do irmão mais velho, que morreu com pouco mais de um ano. Não tinha por que matutar um novo nome, era assim que deveria chamar o primogênito. 
Aos 5 anos, foi pela primeira vez trabalhar com o pai na roça. A infância é curta no sertão, não há tempo para brincar quando a barriga clama pelo pão.
Com oito irmãos foi morar embaixo de uma árvore enquanto os pais procuravam uma casinha para encaixar a família. O assobio do vento nas folhas a noite assustava as crianças, mas eram as muriçocas* que atormentavam os sonhos. 
Desde cedo cada um tinha a sua responsabilidade. Ele, Fran e Gilson vendiam ossos e pão na cidade de Orós. A irmã mais velha, Engraça, cuidava do pequeno Olavo e dividia o peixe na hora de lanchar. Era sempre a cabeça que lhe sobrava, coitada. Mais tarde, Maria, Gleide e Luiza foram morar com outras famílias. Trocavam os serviços domésticos pelo prato de comida.
Quando fez 18 anos, José foi para São Paulo morar com uma tia. Seu primeiro emprego foi de office-boy, o garoto incumbido de perambular a pé pelas ruas carregado de documentos. Jamais esqueceu de enviar metade do salário para ajudar no sustento da família que ainda sofria com a seca. Além dos trocados, ganhou um GPS na cabeça que funciona muito bem até hoje.
Era o filho que nunca respondia, aquele que lavava o banheiro para mãe e a acompanhava todos os domingos à missa. Ele era a figura do pai para os irmãos depois que a família mudou para 'Sum Paulo' enquanto o senhor Chicó ficou no Ceará. Principalmente para João e a raspinha do tacho, Eliscleide.
Tímido que só, nunca foi namorador. Conheceu Izabel através do seu oposto, seu irmão Fran. Ele foi o cupido da flecha certeira que assistiu ao casamento entre o Nordeste e o Sul alguns meses depois. A bela moça do Paraná, com uma história tão carente e sofrida quanto, prometeu com o marido construir uma família com abundância de amor, uma mesa farta e um lar sempre aconchegante para seus filhos. Primeiro, nasceu a princesa Daiane e um ano depois, o príncipe Douglas. Criados com todo requinte de educação e carinho que uma criança precisa ter para crescer e se tornar quem ela nasceu para ser.
José, que trabalha há 16 anos na mesma empresa, não quer aposentar, enquanto sua mulher não vê a hora deste dia chegar. Ela quer viajar pelos mais belos lugares do Brasil que só viu por fotos. Apesar da dor no coração de deixar o cachorrinho Shelby apenas com a companhia de seus brinquedinhos no quintal. 
José e seus irmãos poderiam facilmente ser personagens das histórias de Graciliano Ramos e este é só um dos motivos que me fazem ter muito orgulho do meu pai. Ele dificilmente pronuncia 'eu te amo', mas me diz isso todos os dias quando acorda às 5 horas da manhã para trabalhar, quando renuncia ao que for preciso para satisfazer meus desejos e do meu irmão, sem a gente precisar pedir. A história do meu pai sempre me emociona e ver que as únicas marcas desta vida sofrida e amarga são seus calos nas mãos é uma lição de vida pra mim. Apesar de todo o sofrimento, seu coração não faz outra coisa a não ser amar. Deus não poderia ter me dado um presente mais lindo e cheiroso que a honra de ser a filha do senhor José Freires de Brito!



*Pernilongo  

5 comentários:

  1. Irmã, obrigado por este texto homenagiando nosso pai!
    Foi incrível como você expressou tão bem e em poucas palavras, a história de nosso pai.

    Você é meu orgulho!

    Te amo,

    Douglas Brito

    ResponderExcluir
  2. Que lindo prima acabei de ler pra minha mãe e pra vó que choraram mto.o tio dede merece mto e todos tbm por tudo que passaram. continua escrevendo tah!adoro ler seus textos...bju!

    Rafaele Monteiro

    ResponderExcluir
  3. Lindo texto, Dai! Que lindo o amor expresso em palavras. Realmente, quando o sentimento toma conta, a gente se inspira.
    beijos.

    ResponderExcluir
  4. Poxa vida, que homenagem mais linda, Dai. Nunca deixo de me surpreender em ver quanto amor pode caber numa tela vazia com um cursor pulsante.

    ResponderExcluir
  5. Que linda história. E seu texto tem ficado cada vez melhor. Só ri quando li 'princesa Daiane' haha Sim, eu sou azia rsrs

    Bjo!

    ResponderExcluir

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...